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Sala de Fotografia analisa: Fórum Latino-Americano de Fotografia


O resgate de arquivos fotográficos foi um dos principais assuntos do 4º Fórum Latino-Americano de Fotografia, que ocorreu de 16 a 19 de junho de 2016, no Itaú Cultural, em São Paulo. Fio condutor que foi muito bem tecido, e que pautou todas as palestras e discussões, e mesmo as exposições fotográficas. Para onde olhava, o espectador conseguia entender o contexto - e a Sala de Fotografia, junto com seus alunos, esteve por lá para ver tudo isso.

O cenário do palco do Fórum homenageou os arquivistas, que preservam memórias

Com o título “A fotografia como pensamento”, o Fórum teve uma escolha de tema feliz, que procurou expandir as fronteiras da reflexão sobre o tema. Pois, como observou no início do evento o fotógrafo, curador e agitador cultural Iatã Cannabrava, “estamos tratando a fotografia nesse fórum para além do ato fotográfico”. As discussões do evento, ao mesmo tempo que jogaram luz sobre os arquivos, demonstrando que ele vai muito além de coisa velha, possibilitaram uma abertura de visão para que os fotógrafos ali presentes também se inspirem a trabalhar com este tipo de material. E para que pensem a foto muito mais como processo do que como algo acabado.

A Sala de Fotografia no Fórum

Afinal, vivemos em uma época em que praticamente tudo já foi criado. A ideia agora não é mais ter um grande resultado fotográfico. De novo, o Fórum chama a atenção para o processo, e não para o resultado da foto – algo que a Sala de Fotografia viu em todos os festivais de fotografia. Então, já que vivemos em um tempo de ampla produção fotográfica, no qual é impossível absorver e perceber tudo, por que não ressignificar o que foi feito no passado? Por que não buscar nos arquivos material para um novo projeto?

Contexto

A palestra que deu o contexto de como o arquivo permitiu à foto se tornar peça de arte ocorreu na sexta-feira, com o tema “A Revanche do Arquivo Fotográfico”, com Joerg Bader, Mayra Mendoza e Rosângela Rennó, com mediação de Claudi Carreras. De acordo com Iatã, a intenção dessa mesa era perceber “como a leitura de imagens do passado faz pensar o presente e como vai ser o futuro”. Quem explicou o título de “A revanche do arquivo” foi Joerg Bader. Para ele, o arquivo trouxe a foto para o salão nobre da arte. Relegada a ser uma mera reprodutora fiel de esculturas e pinturas, foi o arquivo que possibilitou que a foto se tornasse obra de arte.

Rosângela Rennó é uma das artistas que mais trabalham com arquivos no Brasil – ela vem trabalhando com este tipo de material desde 1992. “A revanche do arquivo pode ser dar visibilidade, quanto pode ser esquecimento. A punção de morte faz parte da constituição do arquivo”, afirmou. Ela ainda contou algumas experiências suas da sua produção, e sobre as dificuldades de se acessar os arquivos quando as instituições não querem liberar o acesso aos pesquisadores.

“É muito difícil hoje tentar abrir os aquivos, fazer o poder público colaborar. Em um governo golpista, parece irrisório falar de arquivo perante outras coisas que estão acontecendo. Mas talvez possamos pensar em uma lei que obrigue a permitir o acesso a arquivos”. (Rosângela Rennó)

O público no Fórum

Antes de tudo, ainda para iniciar o Fórum na quinta-feira, a palestra de abertura do evento trouxe uma densa teoria. Itala Schmelz e Ticio Escobar discutiram sob o tema “Do Ato Fotográfico aos Brinquedos Filosóficos: a Imagem como Pensamento”. Reforçando a ideia da valorização da produção, Scobar afirmou que o maior valor da foto está no index, ou seja, o valor está em saber a origem/contexto da sua produção.

Processo

Não é só na fotografia que o processo importa mais do que o resultado. Para Rafael Vilela, representante do Mídia Ninja, isso também se aplica às narrativas. Ele falou no sábado à noite, em uma mesa com ativistas das novas formas de comunicação, sob o título “De Drones, Ninjas e Seres de Luz”. Kamikia Kisedje, cineasta indígena foi o primeiro a falar, e comentou sobre a AIK Produções, uma produtora de vídeos que é formada apenas por jovens do povo Kisedje. Pedro Neves Marques falou sobre drones, e Rafael Vilela falou sobre Mídia Ninja – uma forma alternativa de produzir e distribuir conteúdo longe dos grandes meios de comunicação. Apesar de serem temas de difícil conexão entre eles, por fim se conseguiu ter um debate interessante sobre o poder da narrativa para empoderar diferentes setores da sociedade, ou seja, a chance de dar voz a quem nunca conseguia ser ouvido.

Rafael Vilela ressaltou que acredita no empoderamento narrativo, no qual é possível se empoderar e produzir uma narrativa própria. Ao ser questionado onde quer chegar, enfatizou que não é essa a questão principal. “Não importa onde vai chegar, mas como. Como solidário, colaborativo, desmonetarizado, se vai chegar a muitos. Se determinar o onde, fodeu. O como é que amplia o horizonte. É o processo que importa”. Rafael ainda explicou que não assina com seu nome as fotos, mas como Mídia Ninja, apenas.

“A força da imagem não é a autoria, é a sua circulação e a capacidade de interferir na realidade que ela tem”. (Rafael Vilela)

 Ambientação do Fórum no Itaú Cultural

Ambientação do Fórum no Itaú Cultural

Exemplo

Logo depois da mesa sobre a “Revanche do Arquivo Fotográfico”, na sexta-feira, o Fórum apresentou um exemplo muito concreto de como utilizar os arquivos para realizar um projeto. O português João Pina, entrevistado por Luis Weinstein, arrebatou a plateia de diversas formas, em um relato muito íntimo sobre sua vida e seu trabalho. Para começar, surpreendeu pela sua juventude – com apenas 36 anos, ele já tem autoridade para estar em um Fórum de Fotografia e falar sobre o seu trabalho. Depois, pelo que realizou, tema da sua entrevista. Ele lançou um livro: “Condor: o plano secreto das ditaduras sul-americanas”. Ou seja, um português, que não tem a sua identidade ligada a este continente, fala de uma das maiores manchas de nossa história.

Nesta obra, Pina resgata a operação Condor, que permitia às ditaduras perseguir exilados em qualquer um dos países sul-americanos, em uma aliança que aboliu as fronteiras de seis países. Ele se utiliza de fotos de arquivos da época, mas também produz novas imagens atuais em locais emblemáticos. “Um grande desafio foi: como se fotografa uma coisa que aconteceu há 40 anos?”, refletiu Pina. Ele iniciou seu livro com fotos de arquivo, para dar um contexto do que foi a história, e para que o leitor olhe para o passado. E depois mescla com fotos suas, que remetem ao passado, nas quais procurou se colocar no lugar das pessoas que viveram esses acontecimentos, nesses locais que ele visitou.

As fotos de João Pina na exposição do Fórum, que também estão em seu livro

Mais do que explicar seu processo ao utilizar arquivos, Pina deu uma aula de humildade e sensibilidade. “Eu queria fazer um livro que não fosse para alimentar meu ego como fotógrafo, mas algo que fizesse sentido e que sobrevivesse a modas que temos hoje”. Ele ainda relata que sempre falava às suas fontes o que iria fazer com o material que coletava, pois assim era um incentivo para não desistir do projeto.

“Eu digo o que estou fazendo para ter responsabilidade para quem eu fotografo. O mínimo que posso fazer é cumprir minha palavra – pois quando alguém conta como é ser torturado, reabre as suas feridas”.

(João Pina)

Para o fotógrafo, um livro não muda a História. “Os mortos estão mortos. O máximo que posso fazer é dar a dignidade que o próprio Estado não deu e ter a certeza de que a história deles não será esquecida”. Nesse sentido, Pina também se preocupa em ressaltar que a sua obra é uma das verdades, não A verdade. Pois temos a tendência a dividir as pessoas entre boas ou más, mas muitas vítimas não eram tão coerentes, nem torturadores eram tão maquiavélicos como as histórias descrevem. Tanto no texto, quanto na imagem, ele procurou deixar claro que aquele era o seu entendimento como pesquisador.

“Não acredito que foto conta a verdade. Pode contar uma verdade”.

(João Pina)

E explica seu processo com o texto: “eu não queria dar uma de dono da verdade. O eixo central é a minha experiência com as pessoas. Assim, tentei enquadrar a verdade, mas ela não é única, há outras versões. Essa é a minha leitura dos fatos, eu ouvi isso do que a pessoa me contou, esse é o meu entendimento. Por isso, escrevi os textos em primeira pessoa”.

Mesmo com tudo isso que Pina relatou, ao ser questionado sobre qual foi o ensinamento que este projeto deixou em sua vida, ele ficou em silêncio por um tempo prolongado, para depois responder que nunca tinha pensado nisso, e que teria que refletir. E, ao ser questionado sobre que tipo de perguntas ele fazia aos arquivos para obter respostas aos seus projetos, ele afirma que se questiona porque as pessoas fazem tanto mal umas às outras.

“O que faz com que uma pessoa que manda se sinta tão ameaçada para torturar, matar, causar tanta dor às pessoas? A pergunta é sempre a mesma. O que faz – política, religião, supostas nacionalidades – com que façamos tão mal uns aos outros?” (João Pina)

Quer dar uma espiada no livro de João Pina? Dá uma passadinha aqui na Sala de Fotografia, nós obtivemos um exemplar da obra do português.

Mudanças

Wendy Watriss também descobriu, tal como João Pina, que somente a fotografia não é capaz de mudar a história. Ela falou no Fórum no sábado em uma entrevista a Carlos Carvalho, junto com Iatã Cannabrava e Pablo Corral Vega. Wendy contou que publicou nos mais importantes veículos de imprensa uma reportagem sobre os efeitos nocivos do agente laranja sobre os veteranos de guerra americanos. Mas ela só conseguiu mudanças quando influenciou políticos para mudar a lei.

“O fotojornalismo deve ter missão moral. O fotógrafo deve entender que imagem em si não é o suficiente para trazer mudanças”. (Wendy Watriss)

Ainda de acordo com Wendy, para fazer documentários fotográficos com sucesso é necessário ir além da imagem, e citou como exemplo a fotógrafa brasileira Nair Benedicto. Depois, a fotógrafa também falou da sua experiência no Foto Fest, festival de fotografia que ocorre em Houston, nos Estados Unidos, e que nós já explicamos neste link.

Logo após Wendy, Iatã também falou sobre suas experiências de vida, ligada a fotografia e a projetos.

“Escrever um projeto, para mim, é como escrever uma peça de arte com todos os seus detalhes e prazeres”. (Iatã Cannabrava)

Falou ainda sobre o processo fotográfico. “Devemos pensar em narrativas visuais, e não na construção visual. Precisamos construir narrativas coerentes que digam o que pensamos sobre determinado assunto”. E ainda comentou sobre a expectativa de criar a rede latino-americana de fotografia.

Pablo Corral Vega contou que fotografava para a revista National Geographic, e achava que o que era importante era a produção dos Estados Unidos e da Europa. Até que começou a circular pela América Latina para dar workshops, e assim percebeu que a fotografia produzida aqui no continente era mais forte e mais próxima a ele do que as fotos repetitivas da revista. Pablo ainda falou sobre a composição da rede latino-americana de fotografia, que, para ele, deve ser algo onde as pessoas possam se encontrar.

“As discussões nos fóruns não são tão importantes como os encontros das pessoas nos corredores. Estamos vivendo um momento parecido com a invenção da imprensa. Todos usam a fotografia, e os fotógrafos que eram especialistas vão ficar de fora disso. A tecnologia nos permite nos apropriarmos de tudo, porque seria como dizer que o escritor é dono da linguagem, mas não é, todos somos donos”. (Pablo Corral Vega)

Exposições

No Fórum, ao longo das exposições fotográficas de diferentes fotógrafos, com diferentes nacionalidades ali exibidas, sob o título “Exposição Arquivo Ex Machina – Identidade e Conflito na América Latina” pensou-se os arquivos em três linhas. Uma, como releitura dos arquivos, trazendo novos significados ao material. Outra, como manipulação, criando novos materiais por cima do que já existia. E a terceira linha como uma revisita aos arquivos. Os temas variaram entre revoltas populares, criminalidade, escravidão, extermínio indígena, ditaduras e repressões políticas.

Abertura das exposições no Fórum

Foto da exposição “1968, o fogo das ideias”, de Marcelo Brodsky – exemplo de manipulação de imagens existentes em arquivos

O português João Pina, na exposição “Operação Condor”, se utiliza de imagens de arquivo, bem como produz novas fotografias sobre o mesmo tema

Exposição “Arquivo Fototeca Nacional de México”, da pesquisadora Mayra Mendonza: uma nova forma de olhar velhos arquivos

Foto da exposição Arquivo Morto, de Andrés Felipe Orjuela Castañeda

Conclusão

A entrevista de Claudia Jaguaribe a Oliver Chanarin (ele deveria ter sido acompanhado por Adam Broomberg, com quem realiza os projetos, mas este não pode estar no Fórum) na quinta-feira, ampliou a discussão da fotografia como pensamento. Os fotógrafos visitaram o Afeganistão em uma época em que muitos soldados foram mortos. Mas, ao invés de registrar a dor e o sofrimento, escolheram um dia que ninguém morreu – daí o título do projeto, The day noboy died – e expuseram um papel fotográfico ao sol por 20 segundos.

“São fotos que não mostram nada, então ela reflete de volta para você: o que você quer ver? O que ela te mostra?” (Oliver Chanarin)

Para finalizar as atividades do Fórum, no domingo, houve a mesa “A Construção de Redes e o Avanço da Fotografia no Continente Latino-Americano”, com participantes dos grupos de trabalho da Rede Latino-Americana de Produtores Culturais de Fotografia. Esta rede não irá associar fotógrafos, mas sim produtores culturais, baseada na experiência brasileira da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil (RPCFB), criada em 2010.

“A grande sacada da Rede no Brasil é não ter fotógrafo, e sim produtores. Com fotógrafos é uma guerra de vaidades. Mas com produtor você trabalha com projeto, com planilha, e exclui a fogueira de vaidades”. (Milton Guran, um dos fundadores da rede e coordenador do FotoRio)

De novo, na conclusão desta análise, precisamos ressaltar a importância para qualquer pessoa ligada à fotografia em participar de festivais desse tema. O Fórum possibilitou um intercâmbio cultural e de ideias fantástico, já que foram 15 países participantes. Um bom exemplo do que os festivais trazem é o próprio Iatã, que comentou sobre a importância da arte de frequentação de festivais em sua vida.

“Depois de frequentar festivais, me tornei um fotógrafo mais completo, um agitador cultural e um organizador”. (Iatã Cannabrava)

Fenômeno que começou na América Latina e que se espalhou para outras partes do mundo, os festivais trazem uma renovação a arte e uma oportunidade de repensá-la para muito além de nosso âmbito cotidiano, no qual ela geralmente está ligada a um mero registro. Permite, ainda, conviver com outras pessoas, e criar um turbilhão de novas ideias que não é acessado de outra forma.

Texto e fotos: Sabrina Didoné (jornalista - 0018277/RS)

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