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Parte I - Sala de Fotografia analisa: Valongo Festival Internacional da Imagem 2017


Esta parte deste texto foi publicado originalmente na Revista Sala de Fotografia. Se você já leu por lá, confira a segunda parte ainda inédita, neste link.

O Valongo Festival Internacional da Imagem foi plural, assim como todo festival deve ser. Mas o evento foi muito além do que “deveria ser”: ao invés de celebrar a fotografia, celebrou a imagem. E assim conseguiu englobar muito do que permeia essa área, expandindo os horizontes de todos os participantes. Mais: conseguiu dar um novo uso para galpões que estavam abandonados há muito tempo, na área degradada do entorno do porto de Santos.

Assim, o evento, que ocorreu de 12 a 16 de outubro de 2016, não só instigou a mente dos fotógrafos, mas desafiou seu olhar a enxergar toda a beleza naquelas ruínas, e chamou a atenção para a reocupação daquele espaço histórico. Não precisa de mais nada para constatar que o evento foi para lá de um sucesso. E a Sala de Fotografia esteve por lá e conferiu as dezenas de atrações.

Quer mais provas de que frequentar festivais de fotografia – neste caso, de imagem – é muito importante? Para além das discussões sobre as imagens, as quais já vamos relatar abaixo, as mesas, ao explicar os temas de projetos fotográficos diversos, entram em outros mundos, batem em outras portas. Nelas foram discutidas questões como aborto, feminismo, negritude, a questão das domésticas na sociedade brasileira. Coisas que até podem não fazer parte do nosso cotidiano, mas que fazem de outras pessoas, e ao conhecer projetos de fotografia nesses festivais se tem contato com esses outros mundos.

E o festival oportuniza não só conhecer outros mundos, outras cidades, mas também outras pessoas. A festa de abertura - com o nome de Baile da Catraia (a catraia é um pequeno barco de madeira usado em Santos para transporte coletivo de passageiros) - foi genial nesse sentido, ao promover uma confraternização logo de início, pois assim já se conheceu as pessoas que depois iríamos encontrar em outros dias ao longo do festival. E se ver, se conhecer, de uma forma menos séria também é muito válida, afinal, se criam outros tipos de laços. E teve até a presença de uma escola de samba, que garantiu a animação, e trouxe a surpresa de uma coisa grandiosa sendo planejada. A festa mostrou que estava todo mundo na mesma vibe, todos ali para se divertir e se conhecer. Só por essa integração já teria valido a pena a participação no festival. Mas ainda tinha muito mais pra acontecer nos próximos dias.

Primeiras mesas

A mesa que abriu o festival na Arena Zum, no Teatro Guarani, teve como tema “Questão de classe: arte, política e documentação social”, com Bárbara Wagner, Luiza Baldan e Ana Lira. Elas conversaram com Marion Strecker, que destacou que todas elas preferiam ser identificadas mais como artistas visuais do que como fotógrafas.

Luiza Baldan explicou sobre projetos-residência que desenvolveu, um deles no Copan, emblemático edifício de São Paulo. Seu desafio nesses projetos foi pensar o que poderia registrar em ícones já tão fotografados. Ela conta que agrega fotos com textos em seus projetos, assim a imagem faz parte do conteúdo, mas de uma outra forma. No Copan, ela fotografava pessoas nos locais que mais gostavam no prédio, mas não só isso: antes de tudo pedia para contarem a história do porque da escolha.

“De alguma forma, essa inserção das pessoas fazia com que meu olhar também se transformasse para aquele lugar, que para mim era tudo igual. Quando se chega a um lugar novo, há essa superficialidade no olhar. Mas por meio da condução de uma pessoa de dentro que confia, entrega, divide, fez com que eu começasse a participar um pouco mais dali também”. (Luiza Baldan)

Essas histórias depois aparecem no projeto de Luiza em forma de textos mesclados em primeira ou terceira pessoa, ou ainda em recortes de jornais, pensamentos. Para a artista, faltava esse contexto.

Reafirma-se, assim, que nem sempre uma imagem dialoga por si só. Às vezes, o texto altera completamente a percepção do espectador perante uma obra. Uma imagem até vale mais que mil palavras, mas o diálogo que existe entre os dois meios merece ser explorado - o que já analisamos no texto sobre as exposições de arte em São Paulo (que você pode ler aqui).

A segunda convidada da noite, Ana Lira, explicou sobre o seu projeto de fotografar os cartazes políticos colados em vias públicas da cidade de Recife. E assim fazia um mapeamento não só das costuras políticas ao longo do tempo, mas também as intervenções que as pessoas faziam naqueles materiais ao rasgá-los, rabiscá-los, vandalizá-los.

“Percebi que o que fazia não era só um exercício fotográfico. Era um processo muito forte de leitura crítica de imagem, era exercício de entendimento”. (Ana Lira)

Ana afirma que, ao fotografar ao longo de quatro anos esses cartazes, foi percebendo alianças de políticos que não estão mais juntos hoje. E isso foi lhe trazendo material interessante para entender como se estruturavam essas relações de poder dentro das eleições. A artista ainda explica que fotografava sempre de frente o cartaz, para dizer “estou olhando para você”.

Essas explicações que Ana deu sobre o seu trabalho denotam um pensar no fazer artístico, onde não há escolha aleatória, tudo conduz para um fim. É um projeto longo, que acaba tendo fundamentação até pelo próprio tempo dedicado. Ela mostra cada etapa do processo, explicando porque o conduziu desta forma.

E essa foi uma constância no Valongo: os artistas, os fotógrafos tinham muita propriedade ao falar de seus projetos. Ressaltando, assim, mais uma vez o que temos visto sempre em todos os festivais: o processo conta muito, inclusive, mais do que o resultado.

Assim como teve um pensar artístico, um porque por trás de cada escolha, de Laia Abril, uma fotógrafa espanhola que vem desenvolvendo um projeto sobre o aborto. Ela descreveu seu processo de escolha das histórias, das imagens dos objetos da exposição, e explicou que precisava sempre pensar em como mostrar de forma que as pessoas quisessem ver. Do contrário, se ficasse muito pesado, elas iriam embora sem observar tudo. A fotógrafa também tem consciência que seu trabalho talvez não mude opiniões.

“O aborto é uma questão de direitos humanos. Queria que as pessoas que entram na exposição e são contra, que pelo menos saiam pensando que suas convicções têm consequências”. (Laia Abril)

Laia participou da mesa “Meu corpo, minhas regras: aborto e feminismo na produção contemporânea”, na qual também esteve presente a artista Cris Bierrenbach, que também comentou sobre seus projetos com foco no feminino. Um deles consistia em fotos dela vestida de noiva, impressas em lambe-lambe em muros da cidade. Conforme o tempo passava, o lambe-lambe ia estragando, mostrando que aquele ideal de felicidade máxima até podia existir, mas é algo passageiro, não se mantém. Outro projeto de Cris era uma série de radiografias suas com objetos estranhos ao corpo, no qual lidava com questões como aborto e violência doméstica.

Continua! Leia a segunda parte da análise da Sala de Fotografia sobre o Valongo Festival Internacional da Imagem neste link.

Texto: Sabrina Didoné (jornalista - 0018277/RS) e Liliane Giordano (mestre em Educação: arte, linguagem e tecnologia)

Fotos: Liliane Giordano

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