Sala de Fotografia analisa: Go Image On Stage 2017
- Sala de Fotografia
- 13 de jul. de 2017
- 8 min de leitura
Atualizado: 22 de out. de 2019
Tudo conta para a criatividade de um fotógrafo. Não são apenas as referências do universo fotográfico que devem ser levadas em consideração, mas também filmes, viagens, músicas, ou qualquer outra coisa de seu dia a dia. Mas, ao usar referências fotográficas, deve-se utilizá-las para inspiração, e não para simples reprodução. Essas ideias foram uma constância dos palestrantes do Go Image On Stage.
O evento, promovido pelo laboratório fotográfico de Caxias do Sul no auditório do Hotel Intercity, teve a sua primeira edição entre os dias 16 e 17 de maio. Sucesso de público, a empresa já começa a pensar em uma nova edição para 2018, em espaço ampliado. O valor do ingresso, apenas R$ 69 que podiam ser revertidos em produtos do laboratório, foi um dos grandes atrativos. O evento contou com 13 palestras ao longo de dois dias intensos.
Confira a análise da Sala de Fotografia sobre o que ocorreu no Go Image on Stage.

Newborn e feminino
A primeira palestra do congresso de fotografia começou com a fala da SIS sobre “Riscos no ensaio newborn e o que fazer para preveni-los”. Muito instrutivo, o discurso das enfermeiras e fotógrafas Camila Calegari Sasako e Gabi Abreu podia inclusive assustar muitos na plateia que ainda não trabalham com fotografia de recém-nascidos. Os perigos são muitos, de fato, como traumas, alergias, e é muito importante que um congresso de fotografia os exponha dessa forma. Gabi e Camila alertaram para o fato de que, no ambiente aquecido necessário para fazer fotos newborn, o bebê pode se desidratar rapidamente. Um dos primeiros sintomas é que a criança então fica sonolenta e fácil de colocar nas posições que os fotógrafos mais gostam. Desta forma, é preciso estar atento ao que ocorre durante todo o período da sessão. Ainda, algumas poses clássicas, como quando o peso da cabeça do bebê fica sobre as mãozinhas, pode deixá-las roxas, sem circulação. Para tanto, é preciso reparar, e fazer massagens, para depois continuar a sessão.
A fotografia newborn é a principal tendência do mercado fotográfico, de fato, conforme a Sala de Fotografia já viu na Feira Fotografar, em São Paulo, no mês de março. Justamente por isso, acreditamos que o debate a respeito desse tipo de fotografia deve ser ampliado. Modas e tendências precisam de conceituação e de questionamentos, para evoluir a técnica com o passar do tempo. Mas, por se tratar de uma moda que pode ser passageira, como será que essas fotos no estilo newborn vão ser vistas no futuro? Esses bebês retratados, quando crescerem, vão gostar dessas fotos? Ou vão considerar as poses excessivas e pouco naturais? Será que é uma foto que vai continuar agradando daqui a 100 anos? Além disso, outro questionamento sempre válido é ponderar se os riscos que os bebês podem correr nessas sessões newborn valem a pena. Para minimizá-los, é importante cada vez mais a especialização profissional, e a popularização dos congressos sobre o tema são importantes para esse tipo de educação.
A palestra seguinte mudou um pouco o foco, ao falar sobre “A sensibilidade do Retrato Feminino”. Cris Santoro fez um relato pessoal e emocionado sobre a sua fotografia, que procura ressaltar a beleza da mulher sem sensualizá-la. Cris, que começou a fotografar na adolescência por meio do autorretrato, o que lhe devolveu a autoestima, procura agora mostrar a outras mulheres a sua beleza, tentando não se valer de estereótipos.
“Não posso falar de retrato feminino, sem falar de empoderamento feminino. Qual o nosso papel fotografando mulheres? Vai enaltecer estereótipos? Ou combater? Como? Estou cansada de ver a mulher sendo retratada com o olhar da sexualidade.” Cris Santoro
De fato, a fala de Cris que questiona a perpetuação de estereótipos por meio da fotografia é digna de discussão. E isso não serve apenas para fotografia feminina, mas para todas as formas de fotografia. As imagens são um dos meios mais fortes para se manter a sociedade seguindo sendo do jeito que é, ou para mudá-la. E, para mudar, é necessário que os fotógrafos tomem consciência do que é estereótipo, do que a gente já enxerga como normal. A fala de Cris de que a mulher geralmente é registrada nas fotografias com um ar sensual, e o reforço que a sua beleza vem apenas da sensualidade, sem dúvida jogam luz sobre o fato. É só através da percepção que as coisas podem começar a mudar. Talvez, ela possa ter criado uma dúvida na mente de alguém da plateia que fotografe dessa forma e, por meio desse questionamento, comece a mudar.
Mas quebrar estereótipos nunca é fácil. Em outras palestras sobre newborn no congresso Go Image on Stage, ressaltou-se a importância de não vestir os bebês de forma que não fique claro se é um menino ou uma menina. É verdade, essa ainda é a sociedade que vivemos – mesmo que o debate da questão de gêneros se torne cada vez mais forte, e a lei de que rosa é pra menina e azul para menino comece a ser questionada. O que vale para o fotógrafo é se questionar, então, como ele poderia sutilmente tentar mudar essa realidade.
Dentro desse questionamento, o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman fala em uma entrevista disponível online sobre como vivemos em uma sociedade de clichês. Ele diz que:
“Há um filósofo de que gosto muito, que se chama Gilles Deleuze, e ele disse uma coisa que adoro: não vivemos numa civilização da imagem – isso não é verdade –, vivemos numa civilização dos clichês. E nosso trabalho é olhar imagens ou criar imagens que desconstruam os clichês. Por isso, interessa-me colocar em relação as imagens entre si através de um recurso constante à ideia da montagem (falando da ideia de narrativa e contexto). O importante é colocar em relação as imagens, porque elas não falam de forma isolada.
[...]
Temos que trabalhar para além da pura visão. Temos que trabalhar além da simples informação imediata que pode chegar ao clichê. Porque olhamos também com palavras, e, às vezes, olhamos muito mal. Precisamos tomar o tempo para ver um pouquinho melhor.” Didi-Huberman
Reconexão
Outra ideia que coincide entre os discursos dos palestrantes no Go Image On Stage foi a necessidade do fotógrafo de criar conexões com quem retrata. Cris Santoro foi uma das que enfatizou essa ideia.
“Quero força nas mulheres que fotografo, e quero me enxergar nelas. Porque essa é a minha cura. Uso meus ensaios para me empoderar. O meu olhar é carinhoso, é de respeito. Eu faço questão de me enxergar no outro. Enxergar nela além do que o retrato está dizendo”. Cris Santoro
Em uma perspectiva mais mercadológica, Eduardo Vanassi falou em sua palestra sobre os benefícios de se conectar com o cliente.
“Se você fizer de uma sessão de fotos uma tarde bacana, você se liga ao lado emocional de um casal,
por exemplo. E ele confiam mais em ti”. Eduardo Vanassi
Eduardo falou ao lado do irmão Gustavo sobre “O passo a passo para a venda perfeita”. Além de dar dicas de como conquistar mais clientes e fechar contratos, os Vanassi falaram sobre o seu projeto, o Fotologia Podcast, com áudios nos quais eles entrevistam diversas pessoas e discutem diversos assuntos sobre fotografia.
O fotógrafo Lucas Lermen, em sua palestra intitulada “Desconstrução”, afirmou que procura clientes que se identifiquem com seu estilo fotográfico.
“Tem cliente para todo tipo de fotógrafo. Sou sincero sobre quem eu sou. E não é errado isso,
eu procuro pessoas que se identifiquem comigo”. Lucas Lermen.
A essência da palestra de Lucas foi sobre a importância das referências, de que é mais importante ser feliz do que ter pressa. Ele falou de suas experiências profissionais como uma forma de argumentar, compondo assim uma palestra motivacional, mas sem ser exageradamente emocional.
Lucas começou contando que sua palestra seria sobre os erros que cometeu, sobre o que ninguém te conta no início de carreira, para que a plateia não cometesse os mesmos erros que ele. Contou que aprendeu que fotógrafo precisa estudar muitos outros assuntos, não só sobre fotografia. Deu exemplos de que ele lê sobre filosofia, vê muito cinema, música, culinária, desing.
“Hoje entendo que é vazio quem não tem bagagem de outros assuntos. Quem tem conhecimento geral
se torna pessoa mais interessante, e por consequência fotógrafo mais interessante”. Lucas Lermen
Ainda sobre referências, o palestrante afirmou para se ter cuidado com o que se vê. Se alguém fica preso a olhar fotos dos concorrentes o tempo todo, e acha aquilo ruim, pode acabar por produzir algo pior ainda.
“Referência não é cópia, mas inspiração. Não é olhar um catálogo e tentar fazer igual.
Referência é consumir muito, e depois misturar com o que acredito para criar”. Lucas Lermen
Nesse sentido, Lucas deu o mesmo conselho que depois daria em sua palestra o publicitário Celso Modeneze, que falou sobre “Criatividade e produtividade no design de álbuns”.
“Nada mais que se cria é original, é sempre uma junção de elementos. É ver um fotógrafo que você gosta,
depois ver mais, e juntar isso e criar algo seu”. Celso Modeneze
Ainda sobre a palestra de Lucas, ele contou que precisou se reiventar devido a crise, justamente em um período que acreditava já ter consolidado a sua carreira. Isso fez com enxergasse o valor de um período difícil, já que utilizou essa oportunidade para desapegar de tudo o que não importava no trabalho e na vida.
“Em 2016, precisei pensar em me reiventar. Espero que possa me reinventar inúmeras vezes. Afinal, é por isso que faço foto, para não fazer sempre o mesmo pro resto da vida”. Lucas Lermen
O palestrante ainda explicou que sair da zona de conforto o transforma em um fotógrafo mais completo. Além disso, aprendeu que momentos nos quais se diverte são tão importantes quanto o que está estudando sobre fotografia. Assim, poderá chegar para os eventos que fotografa mais tranquilo e calmo, aproveitando melhor os momentos. Para Lucas, conhecer a si mesmo é fundamental para o seu trabalho.
“Toda foto é um autorretrato. Se é assim, quais são as suas referências? Não só de fotógrafos, mas de amor, de vida, de família. [...] Quanto mais sei quem eu sou, mais sei o que faz sentido no meu trabalho”. Lucas Lermen
Na palestra “Composição e criatividade na fotografia newborn”, a fotógrafa Cris Dal Cero também falou de encontrar a si mesmo.
“Se não entendermos nossa essência, não vamos conseguir imprimir nossas características em nossas fotos.
Na ânsia de fazer diferente, fazemos coisas cada vez mais iguais”. Cris Dal Cero
Da mesma forma, o fotógrafo Robison Kunz, cujo tema da palestra foi “Qual o próximo passo?”, explicou que é preciso entender a mensagem que se quer transmitir.
“É preciso ter uma mensagem a transmitir com a sua foto, depois de aprender a técnica”. Robison Kunz
Conclusão
O Go Image on Stage ainda trouxe outras palestras, como a de Luciano Potter, conhecido comunicador que compõe o programa de rádio Pretinho Básico. Mais do que fazer a plateia rir, Potter fez ela refletir sobre os processos de mudança, e a necessidade de se reinventar. O congresso também contou com as palestras de Vivi Tomas, falando sobre fotografia de família; Letícia Wolff, que contou sua trajetória para ensaios criativos; e Mucio e Jocieldes, que ressaltaram a importância do aprendizado, e não da cópia, ao participar de workshops.
O evento promovido pela Go Image acertou ao trazer palestrantes que reforçaram a importância das referências, e de como essas referências precisam servir como base para se criar um caminho próprio, e não servir de cópia. Apesar da proliferação de congressos e eventos de fotografia, se percebe que é cada vez mais necessário que os fotógrafos busquem qualificação. E a Go Image traz essa onda de eventos fotográficos a Caxias do Sul, com preços acessíveis, permitindo que muitos profissionais da região, que não querem ou não podem se deslocar a capitais, tenham acesso a essa educacão.
Talvez, o que poderia ser pensado nos eventos futuros é uma diversidade ainda maior de temas e de discussões sobre a fotografia também em um âmbito filosófico e teórico, para além do comercial. Há que se entender mais sobre o contexto e a história da fotografia, para além das tendências e da moda que vigora. Pois cada vez mais é necessário se investir em educação visual. Fomos educados a ler e escrever com o estímulo e a prática das palavras e não a ler e entender sobre imagens. Portanto, eventos como esse da Go Image podem contribuir para a busca por aprender a ler e entender sobre imagens. O tempo é de reflexão sobre o processo e o sentido das imagens fotográficas.
Texto: Sabrina Didoné (jornalista - 0018277/RS) e Liliane Giordano (mestre em Educação: arte, linguagem e tecnologia)
Fotos: Liliane Giordano
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